Temos viajado por vários locais do país ministrando curso de emergências médicas em consultórios odontológicos. Somado à nossa atividade de professor de cadeira básica para o curso de odontologia, temos verificado que o dentista brasileiro, que se destaca entre os melhores do mundo na habilidade de suas especialidades, encontra-se perigosamente fragilizado no que tange à intercorrência de situações que possam levar o paciente a risco iminente de vida. Infelizmente, as faculdades formam um profissional que passa quatro anos e meio treinando para trabalhar solitário, quando muito, auxiliado por alguém que, na maioria absoluta das vezes, não passa de uma auxiliar de escritório que atende telefone, marca consultas, faz serviços bancários etc, e, por não dominar nada do que faz, lava os instrumentais desconhecendo os riscos de contaminação que está submetida e nem cobra insalubridade. Analisando o currículo escolar da graduação em odontologia, verificamos em muitas faculdades que os primeiros socorros nem constam da grade curricular.
Ora, não podemos negar que o avanço da odontologia faz com que essa profissão deixe de atuar somente num dente com uma cárie e avance agora dentro de estrutura óssea, faça cirurgias mais profundas e coloque pinos de implantes. Isso caracteriza para o organismo, uma agressividade ainda maior já que todo o processo cirúrgico é encarado pelo organismo como uma agressão, embora o objetivo seja curativo. Além disso, o cirurgião dentista deve encarar o paciente, não só como apenas uma boca, mas um indivíduo completo. Corpo e mente com dores físicas e também emocionais com problemas sociais do tipo familiar, profissional e econômico. Motivos suficientes para que se torne vítima de hipertensão, ataques cardíacos e etc.
O avanço técnico da profissão requer uma constante preocupação com treinamento de atendimento de emergência, mesmo que a estatística mostre, felizmente, que as incidências sejam poucas. Atendimento pré hospitalar não requer muito conhecimento de nível superior, basta olhar para o excelente atendimento de suporte básico da vida dado pelos bombeiros Brasil afora. Mas, desgraçadamente, o dentista brasileiro não sabe realizar manobras de ressuscitação cárdio-respiratória
Falo isso batendo no peito: "minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa", afinal, na condição de professor no curso de odontologia, reconheço que cabe a nós, professores, que compomos o elenco docente do curso, ensinarmos na formação desse profissional a visão do paciente como um todo, dando um preparo significativo nas cadeiras básicas, visto que há uma deficiência enorme de domínio da anatomia geral, fisiologia e farmacologia. Sendo a maioria das doenças a alteração da forma e da função e para a terapia medicamentosa, devo conhecer as interações da droga com outras e com o próprio paciente. Como fazê-lo sem conhecer a forma e função normais e desconhecendo a ciência farmacológica?
Se formos mais drásticos, podemos dizer que chega às raias da irresponsabilidade como os professores de cadeiras clínicas tratam a questão sistêmica do paciente odontológico perante seus alunos. Ao aprendiz cabe nada mais que seguir os passos de seus mestres e continuar exercitando a profissão de acordo com seus iniciadores. Quando tocamos em tais assuntos, muitos se interessam, mas infelizmente ainda um número significativo de profissionais e mesmo professores, resiste calcado na relatividade dos números apontados pela Estatística, que é uma ciência interessante para apontar tendência, mas que nada significa ao ínfimo percentual que deparou-se com o problema. Não consola dizer ao morto carbonizado após queda de avião que morreu no transporte estatisticamente mais seguro do mundo.Temos dito que o cirurgião dentista precisa mudar alguns paradigmas mais do que os que já mudaram. Esse profissional da saúde já entendeu que há muito deixou de ser o barbeiro que arrancava os dentes de seus clientes para aliviar a dor. O formando é graduado Cirurgião Dentista que atua numa sala cirúrgica. Esta deveria ser a designação de seu ambiente de trabalho.
Hilário é que, para atender uma emergência, na maioria dos consultórios temos que fazer resgate, ou seja, retirar do ambiente do dentista, pois não é um local adequado para dar o suporte básico de vida à vítima. Se há uma para cárdio respiratória , chama-se o bombeiro ou fica-se na esperança que haja por perto um soldado da Polícia Militar, pois ele sabe o que fazer e manter a vítima viva até a chegada ao ambiente hospitalar.Numa sala cirúrgica, que aplica anestésicos, mexe com o estado emocional do paciente, uma vez que a agressão cirúrgica é feita com o paciente consciente, muitas vezes na espectativa da dor, não há disponível um kit de emergência com medicação para tal, nem equipamentos mínimos necessários, como os que se encontram dentro dos carros de auto socorro de urgência do corpo de bombeiros. Atente-se que não são de suporte avançado e sim apenas suporte básico de vida, o mínimo para manutenção da vida.
Esperamos que os cursos busquem atenção maior às cadeiras básicas na odontologia e a legislação exija treinamento periódico de atendimento de emergência, bem como a presença dos equipamentos mínimos necessários numa sala cirúrgica, tais como drogas, ambú, oxigênio, seringas, agulhas etc., porque sem isso, mesmo que um médico chegue ao local, pouca coisa fará além daquilo que o bombeiro faz.
É importante dizer que o diagnóstico aqui feito não tem a finalidade de depor contra uma profissão para com a qual tenho muito carinho, pois trabalho exclusivamente com ela mesmo sendo médico, mas sim de levar o dentista brasileiro ainda a um patamar mais alto em qualidade do que ele já está, pois, mais importante do que chegar no ao topo é se manter lá em cima sempre e uma desgraça emergencial pode destruir toda uma carreira feita com muito
sacrifício de tempo e dinheiro, visto que não se trata de um curso barato.
É importante dizer que o diagnóstico aqui feito não tem a finalidade de depor contra uma profissão para com a qual tenho muito carinho, pois trabalho exclusivamente com ela mesmo sendo médico, mas sim de levar o dentista brasileiro ainda a um patamar mais alto em qualidade do que ele já está, pois, mais importante do que chegar no ao topo é se manter lá em cima sempre e uma desgraça emergencial pode destruir toda uma carreira feita com muito
sacrifício de tempo e dinheiro, visto que não se trata de um curso barato.
- Wilson Pacheco é Doutor, Mestre e Professor de Anatomia da Universidade Federal de Santa Catarina.